Simone de Beauvoir disse que "a ideologia da direita é
o medo". O medo foi o grande adversário de todas as campanhas de Lula.
Desta vez, o fato de Lula ser governo desfaz grande parte das ameaças que antes
insuflavam o temor entre os setores populares. O grande adversário dessa
campanha não é mais o medo; tampouco é Serra, candidato de poucas alianças, sem
programa e que esconde seu oposicionismo no armário. O grande adversário são os
que estão por trás do tucanato e o utilizam como recurso político de uma guerra
elitista, preconceituosa, autoritária e desigual. O artigo é de Arlete Sampaio.
Arlete Sampaio
A campanha de 2010 não é apenas uma, mas pelo menos três grandes
batalhas combinadas. Uma disputa política, dos que apóiam as conquistas do
governo Lula contra aqueles que sempre as atacaram e agora se esquivam de dizer
o que pensam e o que representam. Uma disputa econômica, dos que defendem o
protagonismo brasileiro e sabem da importância central do estado na sustentação
do crescimento, contra os que querem eletrocutar nossas chances de
desenvolvimento com a proposta de "choque de gestão" e de
esvaziamento do papel do estado. Finalmente, uma disputa ideológica entre, de
um lado, a esperança de um país mais justo, igualitário e sem medo de ser
feliz, contra, do outro lado, a indústria da disseminação de preconceitos.
Na disputa política, a popularidade do presidente Lula criou uma barreira que a
oposição prefere contornar do que confrontar. Serra não quer aparecer como
aquilo que ele realmente é: o anti-Lula. O mesmo anti-Lula que ele próprio foi
em 2002 e que Alckmin fez as vezes, em 2006. Daí a tentativa de posar como
"pós-Lula". A oposição irá para a campanha na vergonhosa condição de
fingir que não é oposição, que concorda com o que sempre atacou, que quer
melhorar o que tentou, a todo o custo, destruir. Os eternos adeptos da ideia de
que o Brasil não pode, não dá conta e não consegue, agora, empunham o discurso
de que o Brasil pode mais.
Diante do fato de que alguém precisa assumir o impopular ataque ao governo e ao
presidente, para alvejar a candidatura governista, surgiram duas frentes. A
mais aberta e declarada é realizada pela imprensa mais tradicional, a que tem
relações orgânicas com o grande empresariado brasileiro e com uma elite
política que a ela é comercialmente afiliada.
Na ânsia de conseguir, contra Dilma, o que não conseguiu em 2006 contra Lula,
esta imprensa tomou para si a tarefa de tentar derrotar ambos. Para tanto, tem
enveredado em um padrão autoritário que significa um retrocesso claro até se
comparado a seu comportamento na época da ditadura. Naquela época, a ditadura
era a justificativa de suas manchetes. Hoje, não. Se não fosse pela democracia
e pela mídia regional e alternativa, a situação seria igual à vivida quando era
mais fácil ter notícias fidedignas a partir da imprensa internacional do que
pela grande imprensa brasileira.
Um exemplo: o tratamento dado à participação do presidente Lula na cúpula
nuclear em
Washington. Dois dos mais tradicionais jornais brasileiros
(Estadão e Folha) deram manchetes idênticas ("Obama ignora Lula..."),
numa prova não de telepatia, mas de antipatia. Um editorial ("O
Globo", 14/4) chegou a dizer que "Lula isola Brasil na questão
nuclear". Se contássemos apenas com esses jornais, teríamos que apelar à
Reuters, ao Wall Street Journal, ao Financial Times ou à Foreign Policy para
sabermos que a China mudou de posição por influência do Brasil e declarou
oficialmente sua opção pelo diálogo com Teerã.
Seria demais pedir que se reproduzisse, por exemplo, o destaque dado à cúpula
dos BRICs, que no jornal Financial Times e na revista Economist foram bem
maiores do que o conferido à cúpula de Washington. Até hoje, porém, o fato de
nosso país estar galgando a posição de polo dinâmico da economia mundial, de
modo acelerado, é visto com desdém pelos que não acreditam que o Brasil pode
mais.
A questão nuclear teve a preferência porque cai como uma luva à tentativa de
trazer para 2010 a
questão do terrorismo, além de demonstrar a relação que existe entre as
campanhas anti-Dilma, declaradas e mascaradas. A questão do terrorismo é um
curioso espantalho invocado pelos próprios corvos (para usar uma imagem
apropriada ao lacerdismo que continua vivo na direita brasileira e em parte de
sua imprensa). A diferença sobejamente conhecida e reconhecida entre guerrilha
e terrorismo e o fato de que os grupos armados brasileiros sempre se
posicionaram contra o terrorismo como forma de luta política são esquecidos.
Durante a ditadura, os grupos armados eram acusados de terroristas pela mesma
linha dura que arquitetava explodir um gasoduto no Rio e bombas no Riocentro
para inventar terroristas que, de fato, não existiam. A parte da imprensa que,
por conta própria, reedita o autoritarismo faz jus ao título de
"jornalismo linha dura".
No campo da política econômica, a batalha será igualmente ferrenha e desigual,
apesar dos feitos extraordinários de Lula. Seu governo é de fato o primeiro na
história do País a conseguir combinar crescimento econômico, estabilidade
(política e econômica) e redução das desigualdades. Segundo estudos, o Brasil
conseguiu avançar em termos sociais em ritmo mais acelerado do que o alcançado
pelo estado de bem-estar social europeu em seus anos dourados. Mesmo isso não
tem sido suficiente para abalar a aposta de alguns setores da elite econômica
de que a principal tarefa a ser cumprida é a de tornar o Brasil o país com o
estado mais acanhado dentre os BRICs. São os que querem o Brasil mirando o
Chile, e não a China, em termos econômicos. Para alguns, que sempre trataram o
Brasil como um custo em sua planilha, não importa o tamanho do país, e sim o
tamanho de suas empresas.
O que se vê até o momento não é nada diante do que ainda está por vir, dado o
espírito de "é agora ou nunca" da direita em sua crise de
abstinência. Os ataques declarados são amenos diante da guerra suja que tem
sido travada via internet, por mercenários apócrifos que disseminam mensagens
preconceituosas.
Dilma é "acusada" de não ter marido, de não ter mestrado, de não ter
sido parlamentar. As piores acusações não são sobre o que ela fez, mas sobre o
que ela não fez. As mais sórdidas são comprovadas mentiras, como a de ter sido
terrorista.
Simone de Beauvoir disse que "a ideologia da direita é o medo". O
medo foi o grande adversário de todas as campanhas de Lula, e ele foi vencido
em duas, dentre cinco. Desta vez, o fato de Lula ser governo desfaz grande
parte das ameaças que antes insuflavam o temor entre os setores populares. O
grande adversário dessa campanha não é mais o medo; tampouco é Serra, candidato
de poucas alianças, sem programa e que esconde seu oposicionismo no armário. O
grande adversário são os que estão por trás do tucanato e o utilizam como
recurso político de uma guerra elitista, preconceituosa, autoritária e
desigual.
A oposição cometeu o ato falho de declarar que "o país não tem dono",
mostrando que ainda raciocina como na época em que vendeu grande parte do
patrimônio público e tratou o Brasil como terra de ninguém. Mas, por sorte, o
país tem dono, sim. É o povo brasileiro. E, mais uma vez, é apenas com ele que
contaremos quando outubro vier.
Arlete Sampaio é médica, foi vice-governadora do DF (1995-1998), deputada distrital (2003-2006) e secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, na gestão de Patrus Ananias (2007-2009).
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