Repasso para vocês essa crônica do Luiz Fernando
Veríssimo, publicada no Jornal do Brasil -
quarta-feira, 30 de abril de 1997, que achei interessantíssima,
o mais interessante é que existem Mauricinhos até hoje e com mais de 40 anos.
Paulo Roberto
Primeira
Vez
Tenho um amigo (fictício,
mas típico) chamado Mauricinho que anda perplexo. Ele é um jovem
profissional
urbano em ascensão e noutro dia me telefonou, agitadíssimo. “Liga a
televisão!
Liga a televisão!”
Liguei, no canal que ele
mandou, e lá estava um grupo de pessoas enfrentando a polícia para
protestar
contra a venda da Vale. Algumas até apanhando. Mauricinho queria saber o
que era
aquilo. Eram malucos?
Não, não, expliquei. Eram
pessoas que simplesmente não concordavam com a venda da Vale do Rio
Doce,
estavam indignadas e, por isso, protestavam.
“Mas por que?”, insistiu
Mauricinho.
Respirei fundo e comecei
a explicar que o assunto era controvertido, que muita gente achava que a
privatização da Vale... Mas Mauricinho me interrompeu. Não ligava para o
assunto, estava intrigado com as pessoas. Por que elas se comportavam
daquele
jeito? Eram pagas para enfrentar a polícia?
– Não – respondi. – que
eu saiba, não.
– O que elas ganham se a
Vale não for privatizada?
– Diretamente,
nada.
O silêncio do outro lado
da linha significava que Mauricinho estava pensando. Esperei o fim do
processo.
Dali a pouco, ele veio:
– Artes marciais! Viram
uma oportunidade para treinar artes marciais e...
– Não Mauricinho. Estavam
lá por princípios, por um ideal.
– Um
que?
– Um ideal. Você também
não tem um ideal?
–
Tenho.
– E não brigaria por
ele?
–
Claro.
O ideal do Mauricinho é
ter uma BMW antes dos 30. Não tive jeito de explicar ao Mauricinho por
que
alguém faria tanto esforço por algo menos que uma BMW antes dos trinta.
Não
podia esperar que ele entendesse mesmo. Mauricinho tem 25 anos e, em
toda a sua
vida, foi a primeira vez que viu uma ação
desinteressada.
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