SÉRGIO AUGUSTO - O ESTADO DE S. PAULO
22 Novembro 2014 | 16h 00
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Há quase 20 anos, o jornalista Paulo Francis denunciou, no programa Manhattan Connection, que “todos os diretores da Petrobrás” punham dinheiro na Suíça. Apesar do alerta em off de Lucas Mendes (“olha, que dá processo”), Francis não tirou o dedo do gatilho. Referiu-se a um amigo, advogado, que num almoço com um banqueiro suíço ouvira deste o seguinte comentário: “Bom mesmo é brasileiro, porque esses bilionários árabes depositam US$ 1 milhão, US$ 2 milhões, mas uma semana depois tiram. Os brasileiros põem US$ 50 milhões, 60 milhões e deixam”. Segundo Francis, toda aquela grana era fruto de roubalheira, de superfaturamento.
Novo alerta de Lucas, dessa vez gestual (um discreto tapinha no braço direito), novamente ignorado por Francis, que reiterou sua certeza de que a Petrobrás fora dominada “pela maior quadrilha” em atividade numa empresa pública brasileira.
Lucas suspeitou certo: deu galho. Não contra a quadrilha vagamente apontada por Francis (o que só poderia ocorrer se o então presidente da Petrobrás, Joel Rennó, tivesse mandado investigar a procedência das acusações e as tivesse comprovado), mas contra o próprio acusador.
Sem provas concretas para substanciar sua denúncia, Francis acabou processado por Rennó, no foro de Nova York. Um processo impagável de US$ 100 milhões, ao qual o jornalista ainda se referiria em outra edição do Manhattan Connection, quando citou nominalmente o presidente da Petrobrás e acusou os diretores da estatal de tentarem intimidá-lo e silenciá-lo.
Nesse programa, houve um diálogo quase cômico entre Lucas e Francis. Ao ouvir o colega afirmar que, dos “três porquinhos” que dirigiam a Petrobrás, conhecia apenas o presidente, “um rapaz gordinho” que comia “nos melhores restaurantes de Nova York”, Lucas quis saber se já haviam comido juntos alguma vez. “Infelizmente, já”, respondeu Francis, simulando um engulho.
Se Francis errou ao dizer o que disse sem provas materiais, o presidente da Petrobrás não podia tê-lo processado nos Estados Unidos por coisas ditas numa televisão brasileira e jamais transmitidas fora do Brasil, embora gravadas num estúdio nova-iorquino. Muito menos envolvendo uma indenização que, hoje sabemos, só os petrogatunos teriam condições de pagar com seu butim, guardado aqui e lá fora.
Mesmo ciente de que perderia o caso, o presidente da Petrobrás esticou o litígio até onde pôde. Queria infernizar o jornalista, e como dispunha de recursos ilimitados para cozinhar o processo, manteve-o em banho-maria, para discreto constrangimento do presidente Fernando Henrique Cardoso, que tampouco se empenhou em esclarecer se as imputações de Francis tinham ou não fundamento.
Rennó afinal venceu a parada. Mas não nos tribunais.
Estressado e deprimido pela milonga judicial, Francis morreu de um ataque cardíaco, em 4 de fevereiro de 1997. Na Folha de S. Paulo do dia seguinte, Elio Gaspari encerrou seu comentário com esta observação: “Dizer que o processo do doutor Rennó o matou seria uma injustiça piegas, verdadeira estupidez. O que aconteceu foi outra coisa. O doutor Rennó conseguiu tomar uma carona no último capítulo da biografia de Paulo Francis. E, se algum dia Rennó tiver biografia, terá Paulo Francis nela. É difícil que consiga fazer coisa melhor, sobretudo à custa do dinheiro da viúva”.
A Operação Paulo Francis demorou 17 anos para se concretizar. “Lava-Jato” é apenas seu nome fantasia.
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