Em artigo no Globo ‘Água que vem da floresta’, falo do Cerrado, do desperdício na irrigação e consumo, nas matas ciliares.
ÁGUA QUE VEM DA FLORESTA
O Brasil parece ter acordado para o drama da água. Será? Quando a seca era uma questão nordestina, isso interessava, sobretudo, aos pesquisadores, à população local, aos coronéis da Indústria da Seca. Agora que assola o desprevenido Estado de São Paulo e chega ao Rio de Janeiro, a crise hídrica ganha outra dimensão.
Depois da troca de acusações, chegam os projetos bilionários. Na verdade, há que mudar conceitos, comportamentos, atitudes. O Brasil desmata encostas e nascentes, reduzindo a retenção de água e assoreando os rios. Desperdiçamos água na agricultura, na indústria, lavando calçadas e carros com água tratada e clorada. No Rio e em São Paulo, o desperdício supera 40% do total. Consideramos a água, floresta e natureza como infinitas e gratuitas. No Rio de Janeiro, aprovamos a Lei dos Recursos Hídricos, com cobrança pelo uso da água, e destinação aos comitês de bacia, para monitoramento e reflorestamento. Foi uma grita: empresas e ecologistas criticaram a cobrança. O valor pago é irrisório, mas empresas passaram a reutilizá-la, em circuitos fechados de refrigeração. A irrigação agrícola consome muitas vezes mais água que toda a população; os sistemas de gotejamento e reúso ainda são minoritários. Empresas de água e esgoto, como a Cedae, têm que passar por uma regulação externa, em que constem metas de redução do desperdício de água e do reúso do esgoto tratado como água para indústria. Estações de tratamento de esgoto biológicas, como a de Ponte do Leite, em Araruama, utilizam plantas como a salvínea e o papiro para o tratamento terciário, extraindo fósforo e nitrogênio, com economia de água e de energia; mas são pouquíssimo utilizadas.
Quando estive à frente do Ministério do Meio Ambiente (2008/2010), realizamos o primeiro mapeamento do desmatamento do Cerrado, sobretudo pela soja e pecuária, e empreendemos ações de combate. Aí nascem os principais rios do Sudeste e de bacias que chegam ao Sul e ao Nordeste. Falava-se muito da Amazônia, algo fundamental, onde reduzimos à metade o desmatamento nesse período, de 13 mil km² para 6,5 mil km². Mas não se focava na nossa Caixa d´Água do Cerrado. O Rio de Janeiro, segundo o Inpe, passou de maior a menor desmatador da Mata Atlântica. Minas Gerais é, pelo terceiro ano, o campeão de desmatamento, transformando a Mata Atlântica em carvão para as siderúrgicas. A consequência é a diminuição da vazão dos rios.
Criamos no Rio o Pagamento por Serviços Ambientais, remunerando o agricultor que replante matas ciliares, que deve ser muito ampliado. Em todo grande licenciamento, obrigamos empresas a reflorestar parte de áreas do entorno. O Comperj terá que plantar 7 milhões de árvores ao longo dos rios Macacu e Caceribu. Até agora, replantou só 2 milhões. O setor florestal, muito abandonado, pode gerar milhares de empregos, combatendo erosão, captando carbono e produzindo água. Os reservatórios cercados de florestas mantiveram níveis de água mais elevados do que os que desmataram o seu entorno.
Carlos Minc, deputado estadual (PT-RJ), foi ministro do Meio Ambiente e secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro
Link da matéria:
http://migre.me/n5ydw
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