Confesso
que não dá para ficar espantado com as delinquências do bicheiro Carlinhos
Cachoeira. Sem ser preconceituoso, pergunto: o que se poderia esperar de um
contraventor a não ser que se dedicasse à contravenção?
Que
fosse rezar ave-maria depois de pagar aposta no jacaré e no leão? Mas há motivo
para se espantar com o sucesso de Demóstenes Torres. Como ele conseguiu enganar
tantos por tanto tempo?
A
resposta não se encontra no próprio Demóstenes, mas em quem se deixou ser
enganado. O senador é um produto típico do radicalismo anti-Lula que marcou a
política brasileira a partir de 2002. A polarização política criada em certa
medida de modo artificial foi um campo fértil para políticos sem programa e
aproveitadores teatrais.
Demóstenes
contribuiu com sua veemência e sua falta de freios para criar um ambiente de
intolerância política no Congresso, reeditando o velho anti-comunismo da direita
brasileira, da qual o DEM é um herdeiro sem muitos
disfarces.
Num
país onde a oposição se queixava de que não havia oposição, Demóstenes
apresentou-se. Contribuía para estimular o ódio e o veneno, com a certeza de que
nunca seria investigado. Aliás, não foi.
Caiu
na rede de seu amigo e parceiro Cachoeira. Se aquele celular fajuto de
Miami fosse mesmo à prova de grampos, é provável que até hoje o país estivesse
aí, ouvindo Demóstenes e seus discursos… Quem sabe até virasse uma estrela da
CPI…sobre Carlinhos Cachoeira.
Nunca
se fez um balanço da passagem de Demóstenes pela secretaria de Segurança de
Goiás, nunca se conferiu a promessa (doce ironia!) de acabar com o jogo do bicho
no Estado nem as razões de seu afastamento do PSDB de Marconi
Perillo.
Demóstenes
dava até entrevistas contra as cotas e escrevia textos citando Gilberto Freyre.
Pelo andar da carruagem, em breve seria candidato a Academia Brasileira de
Letras e um dia poderíamos ouvi-lo tecendo comentários sobre a obra de
Levi-Strauss, sobre a escola austríaca de economia…
O
senador foi promovido, tolerado e bajulado por uma única razão:
necessidade.
Nosso
conservadorismo está sem quadros e sem votos. Lembra a conversa de que “faltam
homens, faltam líderes”? Vem desde 64…
A
dificuldade de construir um programa político autêntico e viável para enfrentar
a competição pelo voto está na origem de mais um embuste.
Já
tivemos Jânio Quadros, Fernando Collor… Felizmente Demóstenes não chegou tão
longe.
Mas
todos foram mestres na arte de esconder seu real programa político e oferecer a
moralidade como salvação suprema.
O
carinho, a atenção, a boa vontade com que Demóstenes foi tratado mostra que
teria um longa estrada pela frente. Não lhe faltavam sequer intelectuais
disponíveis para oferecer um verniz acadêmico, não é mesmo? Há um problema de
origem, porém.
A
história da democratização brasileira é, basicamente, a história da luta da
população mais pobre para conseguir uma fatia melhor na distribuição de renda.
Este era o processo em curso antes do golpe que derrubou Jango. A luta contra o
arrocho e contra os truques para escamotear a inflação esteve no centro das
principais manifestações populares contra o regime.
Desde
a posse de José Sarney que o sucesso e o fracasso de cada presidente se mede
pela sua competência para para responder a esse anseio.
Aquilo
que os economistas chamam de plano anti-inflacionário, estabilização monetária e
etc., nada mais é, para o povão, do que defesa de seu quinhão. O Cruzado e o
Real garantiram a glória e também a desgraça de seus criadores apenas e enquanto
foram capazes de dar uma resposta a isso.
Essa
situação também explica a popularidade de Lula, ponto de partida para o
Ibope-recorde de Dilma. E aí chegamos à pior notícia. O conservadorismo
brasileiro aposta em embustes porque não quer colocar a mão no bolso. Quer votos
mas não quer mexer – nem um pouquinho – na estrutura de renda. Quer embustes,
como Demóstenes.
Fiquem
atentos. Quem sabe o próximo Demóstenes apareça na CPI do Cachoeira, do
Cavendish … e do Demóstenes. O conservadorismo preocupa-se apenas com seu
próprio bolso. Para o povo, oferece moralismo.
De: http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/05/03/o-segredo-de-demostenes-torres/
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