Valter
Uzzo (foto) traça
cenário histórico do domínio conservador na política brasileira para um amigo
de infância e ganha forte audiência na internet.
Via São Paulo
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Um dos mais importantes
especialistas do País na área trabalhista, o advogado Valter Uzzo criou um fato
político ao enviar para amigos um e-mail remetido para um de seus conterrâneos
da cidade de Pompeia, no interior de São Paulo, listando uma série de
argumentos contrários à proliferação de spams jocosos sobre o ex-presidente
Lula e a presidente Dilma Rousseff. Ex-presidente do Sindicato dos Advogados de
São Paulo, Uzzo, no texto, descreve o cenário histórico sobre a presença e a
influência das forças conservadoras na política brasileira.
O e-mail de Uzzo está sendo
velozmente disseminado pela internet, ganhando status de nobre peça política
contra a discriminação ideológica. Abaixo, o conteúdo:
Caros
Um amigo meu de infância
passou a me mandar um volume enorme de e-mails com piadas, comentários e
afirmações sempre depreciativas em relação ao Lula, Dilma, PT etc. A situação
foi em um crescendo tal, que atingiu as raias da provocação e do insulto, até
que, outro dia, resolvi responder. E mandei este pequeno texto, que é, em
verdade, o que penso de pessoas como ele que, a pretexto de criticar, escondem
hipocritamente suas ideias e concepções.
Abcs.
Valter Uzzo
Sent: Tuesday, February 05, 2013 3:42 PM
Caro Lara:
Tenho, quase diariamente,
recebido seus e-mails, que trazem piadas, “fotos interessantes” e propaganda
daquilo que, politicamente, você acredita. Quero crer que estou me dirigido à
pessoa certa, ou seja, ao Lara que conheci em Pompeia, na infância e
adolescência. Se assim é, tenho algumas gratas recordações, de nossa
convivência que, ao tempo, pela idade e sem as agruras que viríamos a
experimentar durante a vida, era muito boa. Recordo-me mesmo que uma de suas
habilidades, invejada por todos nós da mesma classe ginasial, era a incrível
capacidade que tinha de “colar”, já que você se abastecia de um grande estoque
das “sanfoninhas” (era o tipo de “cola” da época), que escondia perfeitamente
em sua mão direita e que lhe permitia – grande perfeição! – colar sem
interromper a escrita e – perfeição maior! – até mesmo diante do olhar atento
do professor. Ao que me recordo, nunca, nenhum dos professores, na fiscalização
que faziam, conseguiu algum êxito diante de você. Nesse particular, você era
imbatível.
Mas, deixando-se de lado
tais reminiscências, eu estou me dirigindo a você para tratar de assunto que,
diante de sua volumosa correspondência eletrônica, parece lhe interessar:
trata-se de questões que envolvem a visão que temos da forma como vem sendo
dirigido este País, melhor dizendo, a questão política. Para se ter uma
conversa franca, devo dizer que temos uma visão de mundo muito diferente. Acho
mesmo, oposta. Em minha profissão (sou advogado), acabei aprendendo a conviver
na divergência, já que, diariamente, senta do lado de lá da mesa de audiência,
ou dos autos do processo, um colega de mesmo grau de escolaridade que defende
justamente o contrário. Adversário. Mas, terminada a audiência, retomamos o
relacionamento, ou seja, é um aprendizado constante e permanente a nos ensinar
que devemos respeitar os que pensam de forma diversa.
Transposta tal relação para
a política, também aprendi a respeitar aqueles que tem uma visão de mundo
diferente da minha, embora com eles não concorde. Entre tais “adversários” de
pensamento existem dois tipos: os que assim agem por convicção e os que agem
por interesse. Creio que você se enquadra entre os primeiros, ou seja, você tem
ideias, a meu ver, que eu classifico como “conservadoras”, mas que são
catalogadas no jargão político comum como “reacionárias” ou por alguns
“direitistas” ou, se formos levar ao extremo a sociologia política,
“fascistas”. Para mim, no entanto, você é um “conservador”, por convicção. E é
aí que eu quero conversar com você.
Existe no Brasil uma forte
corrente de pensamento conservador. Sempre existiu, aliás, durante o Império e
durante a República, todos os presidentes e governos, até 2003, sempre tiveram
um perfil conservador, uns mais outros menos. Todos. Getulio Vargas (1º
governo, ditadura) liderou uma “revolução” – que não era revolução no sentido
sociológico do termo – contra práticas condenáveis da República Velha, só isso.
Pertencia à elite agrária, era fazendeiro e fez um governo ambíguo, criando uma
legislação trabalhista (que estava sendo criada, ao tempo, por quase todos os
países de mesmo grau de desenvolvimento que o Brasil) e criou dois partidos
políticos: o PTB, para lhe servir; e o PSD, conservadoríssimo, para ajudá-lo a
governar. No mais, encarcerou a oposição e restringiu as liberdades públicas.
Em 1945 foi substituído pelo Dutra (outro conservador), que dissipou todas as
reservas cambiais que havíamos acumulado com a substituição das importações,
durante a guerra. Getulio volta em 1950 e aí, após um início de governo meio
indefinido, começa a aproximar-se de ideias progressistas, mas não conseguiu
implementá-las, já que, ameaçado de deposição, suicidou-se. Juscelino foi um
inovador em realizações, mas seu governo, embora aparentemente liberal nos
costumes, sempre foi um produto das classes dominantes e um fiel seguidor da
política norte-americana. Jânio se foi muito rápido e Jango também nada tinha
de progressista: era filho de uma família de riquíssimos fazendeiros, era
despreparado para a função e sua queda dá bem a medida de seus compromissos de
classe: preferiu viver rico no exílio, do que participar ou liderar uma
revolução popular com a qual não se identificava. Seguiram-se os governos
militares, Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique. Se examinarmos todas as
medidas tomadas por tais governos (algumas muito boas, até) veremos que nenhuma
delas teve a preocupação ou conseguiu alterar o sistema de distribuição de
renda no País, – um dos mais injustos do mundo. A dívida externa sempre em
patamares impagáveis, o salário mínimo mediando entre US$80,00 e US$120,00,
lenta queda da mortalidade infantil, poucos avanços na alfabetização, grande
transferência de rendas para o exterior, sistema de saúde pública catastrófico,
destruição da escola pública, gigantesca falta de moradias e favelização,
polícia corrupta, Justiça que não funciona, previdência privada mais cara do
mundo, seguros mais caros do mundo, alta tributação e assim foi. Só discursos,
só demagogia, e muita roubalheira.
Aí vieram a eleição em 2003,
reeleição do Lula e eleição da Dilma. Muitos erros, houve e há corrupção,
muitas coisas não deram certo, os quadros do PT, em grande parte, eram
despreparados para administração, enfim, as coisas não saíram como o PT
pregava. No entanto, o salário mínimo triplicou (em dólares), a renda familiar
cresceu, a dívida externa foi paga, o consumo aumentou muito, o emprego cresceu
(e o desemprego despencou) e o Brasil conseguiu crescer, ao meio de uma grande
crise internacional.
Caro Lara, esses são fatos.
Fato é fato, não é discurso, nem proselitismo político, nem palavrório. FATOS.
O País está em regime de pleno emprego (é a 1ª vez em nossa história que isso
acontece) e, no ano de 2011, em um universo de 200 países, fomos o 4º país do
mundo em receber investimentos externos, só atrás dos Estados Unidos, China e
Hong Kong (notícia do Times, reproduzida noEstadão e Folha na semana passada,
com pouco destaque). A arenga de que o governo, em 2003, pegou uma condição
internacional favorável é conversa para boi dormir: muitos outros países não
progrediram, muitos entraram em crise, o sistema financeiro internacional em
2008 quase ruiu, enfim, o Brasil navegou muito bem por sua conta e seus
méritos. Pensar de modo diverso é revolver à mentalidade colonialista.
Mas estou eu a pretender que
você se torne um apoiador do Lula e da Dilma? É claro que não, até porque na
nossa idade ninguém muda mais. É que eu acho que essa sua “cruzada” contra,
poderia ser muito mais consequente e séria. Já que na clássica definição
“partido político é a opinião pública organizada”, porque vocês, conservadores,
não fundam um partido que expresse tal ideologia? A grande farsa que existe é
que os conservadores ou os direitistas ou os neoliberais não assumem o próprio
rosto. O PSDB (neoliberal) não se diz neoliberal, diz que vai mudar, que é de
centro-esquerda, que é progressista e outras baboseiras mais. Por que não se
diz neoliberal e faz um programa neoliberal? E vocês, conservadores, por que
não se assumem e fazem um programa com o conteúdo daquilo que vocês acreditam:
contra as cotas, contra os avanços na educação, contra o prouni, contra uma maior distribuição de renda, contra o Minha Casa Minha Vida, pela redução dos
direitos trabalhistas, dos impostos, por uma política externa mais invasiva
etc. etc. tal qual o Partido Republicano (conservador) dos Estados Unidos? Se
você fizer as contas, aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás,
ocorre em todos países civilizados (França, Inglaterra, Austrália, Itália,
Espanha, Alemanha, Áustria etc. etc. etc.). Ou seja, no mundo todo, o eleitorado
se divide em conservadores e progressistas. Mas aqui não, em razão da
hipocrisia política da direita, a luta não é limpa. Estimule a criação de um
verdadeiro partido conservador, que defenda as teses conservadoras e o modo de
governar conservador e aí, sim, teríamos um debate limpo, direto, sem
enganações, sem subterfúgios. A meu ver, essa situação da direita esconder suas
verdadeiras propostas, de vestir um manto progressista quando não o é, é a pior
forma de trapacear uma nação, posto que esconde seus verdadeiros desígnios. Em
suma, já é tempo de sair do armário e vir corajosamente para o debate de
ideias.
O outro ponto que gostaria
de conversar com você é sobre a forma negativa e pejorativa de sua “crítica”
política. As piadas, imagens, dizeres etc., que se referem aos que não pensam
como você, revelam um rancor que tem de tudo: preconceito, desinformação,
insultos etc. Se você acha que este tipo de crítica desperta alguma simpatia
para as suas ideias, ou fazem mal à figura dos criticados, então está na hora
de você fazer algumas reflexões sobre o que muda as pessoas. Uma pessoa decente
muda de opinião quando você demonstra que ela está errada. Só não mudará se
tiver “interesses” em se manter no erro ou, então, se por alguma razão
(preconceito, ignorância, intolerância, irracionalidade etc.) não entender o
seu erro e o significado da mudança. Fora disso, a “propaganda” pejorativa
contrária é um tiro na culatra. E isso é tanto no aspecto individual como
coletivo. O Lula cresceu eleitoralmente depois que mudou sua imagem para o
“Lula, paz e amor”. Antes, o eleitorado preferia o FHC, com sua voz e modos
blandiciosos. Serra com sua linguagem belicosa só perdeu votos. Obama derrotou
duas vezes os seus adversários com um discurso suave, sofrendo agressões de
todo os lados. O Berlusconi e Sarkozy, na Itália e França, perderam as
eleições, em razão de suas práticas autoritárias e arrogantes. Enfim, à medida
que a sociedade evolui, essa linguagem truculenta, ofensiva, enganosa, que
intui uma falsa moralidade e prega medidas radicais extremadas (para os outros,
nunca para si) vai caindo em desuso, não engana mais ninguém. Pode ter servido
em outra época, chegou a levar os hitlers e mussolinis ao poder, mas, hoje em
dia, ninguém mais cai neste canto de sereia. As pessoas querem é ser
convencidas, sem imposições.
Bem, fico por aqui. Se você
quiser prosseguir mandando-me os e-mails, gostaria que não mais me enviasse os
relativos à política, a não ser quando nesta terra tiver um partido conservador
...
Simples, objetivo e direto. Parabéns, Paulo, por postar este libelo.
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