sábado, 8 de outubro de 2011
Carta
Capital n˚ 667
por
Delfim Netto
De todos os desperdícios de recursos naturais de uma sociedade,
nenhum é mais injusto, mais prejudicial à integração social e à autoestima do
cidadão do que negar-lhe a oportunidade de viver honestamente e sustentar a
família com o resultado do seu trabalho. É por isso que a construção de uma
sociedade mais “justa”começa pela maximização do nível de
emprego.
Não se imagina que em uma organização econômica como a que
vivemos todos terão emprego a um só tempo, mesmo nos períodos mais dinâmicos de
crescimento Sempre haverá fases de acomodação do nível da atividade podendo
gerar uma taxa de desemprego friccional que a sociedade “justa” tem de socorrer
com as políticas sociais do Estado.
Há quatro anos a sociedade americana viu-se envolvida em uma
séria crise bancária que em poucas semanas eliminou milhares de empregos no
setor financeiro, antecipando a tragédia que em alguns meses suprimiu perto de
15 milhões de postos de trabalho nos demais setores da economia. Países da
Comunidade Européia sofrem hoje de forma dramática o agravamento de uma crise de
origens similares, sob ameaça de desmoronamento dos pilares de sua principal
construção, o sistema do euro. No mundo inteiro, algo como 30 milhões de
trabalhadores não recuperaram os empregos incinerados desde a crise de
2008/2009.
As consequências de ordem política e institucional estão
revelando-se na medida em que os cidadãos ocupam as ruas das metrópoles do
Ocidente, cobrando respostas das lideranças globais, aparentemente perplexas e
atordoadas. É surpreendente, mas reveladora deste estado de coisas, a explicação
e o mea culpa atribuídos ao ministro da Economia da Grécia, Michalis
Chryssohoidis: “nossa situação é desesperadora, porque reduzimos de forma
bastante drástica a renda das pessoas”.
Dos Estados Unidos, os europeus estavam acostumados a receber
conselhos (quando não a mão amiga) para contornar as crises. O que assistiram,
porém, no início da última semana na tevê foi a imagem de um presidente
americano cabisbaixo, desanimado, admitir em plena campanha que se tornou o
“azarão” das próximas eleições. Importante, mesmo, foi Obama admitir francamente
que seus baixos índices de popularidade são consequência do estado da economia
neste final de mandato: “os eleitores não estão melhores hoje que há quatro
anos. Conseguimos um progresso contínuo para estabilizar a economia, mas a taxa
de desemprego ainda é muito alta”.
Um esforço para estabilizar que causou mais de 1 trilhão de
dólares despejados nos cofres dos bancos para salvá-los da quebra, na crença de
que o sistema financeiro retribuiria irrigando com créditos o setor produtivo. A
esperança era de que o dinheiro do contribuinte seria usado para financiar a
retomada dos investimentos na indústria e da atividade comercial, voltando a
estimular o consumo e com isso a recuperação do nível de
emprego.
Nada do que se esperava aconteceu, como se sabe. Em contraste,
formou-se aquele circuito tenebroso: sem a expectativa de melhora da demanda
interna em razão da manutenção de altos níveis de desemprego, as empresas
simplesmente adiaram investimentos na produção e não fizeram novas contratações
de mão de obra, um circuito que se autoalimenta e habitualmente conduz à
recessão econômica. O Brasil, é sempre bom lembrar, escolheu logo no início da
crise outro caminho, até certo ponto surpreendente, mas que se revelou
extremamente virtuoso: sem perder muito tempo com a sofisticação de modelos, o
presidente dirigiu-se diretamente ao consumidor brasileiro e, na linguagem que
cada um de seus milhões de eleitores compreendeu rapidamente, exortou-os a
continuar consumindo: “se você deixar de ir ao mercado ou às lojas, se parar de
comprar com medo de perder o emprego, aí então é que vai ficar sem emprego,
porque a empresa vai deixar de produzir se não tiver para quem
vender”.
Todos sabem que funcionou e o comportamento da economia
brasileira para vencer a crise de 2008/2009 mantendo os níveis de emprego, a
renda salarial e o consumo interno em crescimento, é reconhecido mundialmente
como extraordinariamente bem-sucedido. Hoje o nosso ex-presidente continua sendo
admirado como “o cara”, que intuiu que a saída da crise estava na manutenção dos
empregos e da renda dos salários, mais do que a salvação da
banca.
Curiosamente é Obama, o criador do honroso apelido, quem hoje faz
também uma espécie de mea culpa por demorar quatro anos para entender a mensagem
de seu então “colega”, o trabalhador Luiz Inácio Lula da
Silva.
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