Paulo Roberto é Pedagogo, Sindicalista e Petista.

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Dever cumprido é fruto da ousadia de um velho militante das lutas democráticas e sociais do nosso Brasil, que entende que sem uma interação rápida, ágil, eficiente e livre com o que rola pelo mundo, a democracia é pífia.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Dirceu foi condenado sem provas, diz Ives Gandra

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
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O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. A teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condená-lo.
Sua adoção traz uma insegurança jurídica "monumental": a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios.
Quem diz isso não é um petista fiel ao principal réu do mensalão. E sim o jurista Ives Gandra Martins, 78, que se situa no polo oposto do espectro político e divergiu "sempre e muito" de Dirceu.
Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, diz que o julgamento do escândalo do mensalão tem dois lados.
Um deles é positivo: abre a expectativa de "um novo país" em que políticos corruptos seriam punidos.
O outro é ruim e perigoso pois a corte teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.
*
Folha - O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.
Ives Gandra Martins - O povo tem um desconforto enorme. Acha que todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.
Por quê?
Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela -e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o réu].
Adriano Vizoni/Folhapress
O jurista Ives Gandra Martins durante evento em São Paulo
O jurista Ives Gandra Martins durante evento em São Paulo
Houve uma mudança nesse julgamento?
O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
O domínio do fato e o "in dubio pro reo" são excludentes?
Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].
E no caso do mensalão?
Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.
O "in dubio pro reo" não serviu historicamente para justificar a impunidade?
Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição assegura a ampla defesa -ampla é adjetivo de uma densidade impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.
E a sociedade?
A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias mãos.
Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?
O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis.
Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.
Algum ministro pode ter votado pressionado?
Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda. Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de natureza política.
Foi um julgamento político?
Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.
Isso conta na hora em que eles vão julgar?
Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.
Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?
Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.
E Joaquim Barbosa?
É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.
Em que sentido?
Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora, são 11 unidades decidindo individualmente.
E que tradição foi quebrada?
A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo".
Por que o senhor acha isso?
Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.

Otimismo ou cegueira?

ESCRITO POR WLADIMIR POMAR   
TERÇA, 01 DE OUTUBRO DE 2013

Em vários setores da esquerda, especialmente entre aqueles que apoiam o governo Dilma, mesmo criticamente, parece ter voltado a predominar o otimismo. Acham que as recentes pesquisas de opinião apontam uma recuperação do prestígio do governo e da intenção de voto na presidenta, tudo reforçado por melhores indicadores econômicos, inclusive na agricultura, pela contenção da ofensiva da direita, e pela impossibilidade de esta apresentar propostas que contemplem as demandas sociais e democráticas.

Parecem, porém, não dar atenção a fatos evidentes. O governo e o PT talvez não estejam isolados no Congresso apenas em relação a projetos e vetos secundários. O Judiciário continua descumprindo as leis em tudo, ou quase tudo, que diz respeito aos direitos sociais e democráticos. Plebiscito virou sinônimo de golpe de Estado.

E, em articulação com isso, a direita está mudando de tática e passando a centrar seu fogo na interferência estatal na economia. Num típico movimento de flanco, dentro e fora do Congresso e do Judiciário, a direita age no sentido de paralisar a ação do Estado e do governo, principalmente na redefinição das prioridades exigidas pelas manifestações populares de junho. E o agronegócio mantém sua ofensiva para expropriar a agricultura familiar, colocando a seguridade alimentar subordinada aos humores do mercado internacional de commoditiesagrícolas.

A direita leva em conta que as demandas sociais por melhoras estruturais na saúde, educação, segurança e mobilidade urbana e interurbana não podem ser atendidas em curto prazo, a não ser topicamente. Mais médicos, melhores salários para professores, ações policiais menos truculentas, corredores para ônibus e algumas outras medidas em curso, embora necessárias e importantes, só podem atender parcialmente aquelas demandas, não resolvendo os problemas estruturais existentes. E, se a safra deste ano é boa, nada garante que a do próximo ano seja idêntica e tenha como foco principal o mercado doméstico.

A saúde, por exemplo, precisa que o SUS ganhe uma infraestrutura e um caráter público que atenda à maior parte da população, libertando-se do sistema privatista a que está subordinado. Algo idêntico precisa ser realizado na educação. Para resolver o problema de segurança, não basta ter mais polícia e mais presídios. É necessário retirar do abismo a parte da população excedente que não tem condições de acesso ao trabalho e à renda. Além disso, é necessário realizar reformas profundas nos sistemas judicial, prisional e policial.

Para resolver efetivamente os problemas da mobilidade urbana e interurbana, será indispensável transformar a matriz de transportes: os transportes sobre trilhos, subterrâneo e de superfície devem superar em muito o transporte automobilístico. E para ter seguridade alimentar é preciso muito mais do que até hoje se fez para garantir a sobrevivência da agricultura familiar.

Tudo isso exige reformulações no atual planejamento do governo, assim como projetos executivos. Nada que se possa fazer num passe de mágica. Nessas condições, será uma cegueira supor que a ofensiva da direita foi revertida e que os problemas apontados pelas manifestações populares estejam em curso de solução.

Não há qualquer vislumbre de que o Congresso aprove reformas políticas consistentes, indispensáveis para reduzir a corrupção do poder econômico sobre as eleições e para aumentar a participação democrática da população. O empresariado continua em sua linha de só participar nas obras de infraestrutura se o governo reduzir a intervenção do Estado e realizar, sem condições, a transferência de recursos públicos para os contratantes.

Uma parte da máquina do Estado está pouco se lixando para a necessidade de agilizar o planejamento e os projetos de redirecionamento das prioridades da infraestrutura, de modo a colocar em primeiro plano as demandas populares. O agronegócio não se satisfaz com o monopólio que já detém. E, aos olhos da imprensa e da população, a polícia federal parece estar agindo contra a corrupção por moto próprio, não como política de governo.

Para complicar, em alguns setores da esquerda também viceja a ideia de que saúde, educação, segurança e mobilidade urbana pouco ou nada têm a ver com a economia. Parecem não notar que tais questões sociais só podem ter uma melhoria efetiva se a economia superar os obstáculos hoje existentes para seu desenvolvimento sustentado a um ritmo consistente, gerando recursos que permitam investir muito mais nas demandas sociais. Alguns chegam a sonhar que a Petrobras está em condições de suportar, sozinha, não só a exploração do pré-sal, como a alavancagem do desenvolvimento nacional. Cultivam um nacionalismo que nada tem a ver com a realidade do capital acumulado para realizar o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Em vista disso, olhando a conjuntura com mais realismo, se o momento estimula algum tipo de otimismo, os problemas acumulados alertam que a batalha em curso exige muito mais do que simples constatações. Se o otimismo se transformar em cegueira, como apontam certas tendências, pode-se ter certeza de que, como aconteceu com os arautos da nova classe média, haverá muita gente perplexa, sem saber por que os beneficiados se levantam e vão para as ruas. De minha parte, acho que a cegueira só será evitada se as mobilizações não pararem. Tem gente, à direita e à esquerda, que só se move se o povão for para as ruas. Oxalá estas se encham novamente para isolar a direita e empurrar a esquerda.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Entrevista publicada no jornal Correio Braziliense, em 27 de setembro de 2013

Por Leonardo Cavalcanti e Tereza Cruvinel
São Paulo - A casa discreta no tradicional bairro do Ipiranga em nada lembra os palácios de Brasília mas seu principal inquilino ali trabalha cerca de 10 horas por dia, com a mesma disposição que, nos oito anos em que governou o Brasil, extenuava auxiliares – hoje reduzidos a uma pequena equipe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do Campo às seis horas da manhã, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das 20h. Ali recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória contra o câncer, Lula declara-se completamente “desencarnado” do cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes países, por convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, “como puder”, na campanha da sucessora Dilma pela reeleição. “Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste”, disse o ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência, selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na quinta, 26, Lula recebeu o Correio para uma entrevista de duas horas em que não parou de falar. Da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. E disse ter saudades de Brasília: “O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis”.
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do total de apoios conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula confessou, sem dissimulação, que deixar o poder foi “como se me tivessem desligado da tomada”. E que não foi fácil aprender a ser ex-presidente. Para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no Instituto, vacinou-se contra o “Volta Lula”, antecipando o lançamento da candidatura Dilma, e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral. Ele acha que a presidente será reeleita, lamenta o desenlace da aliança com Eduardo Campos, embora reconheça as qualidades do governador para a disputa, evita especular sobre o destino dos votos de Marina Silva, caso ela saia da corrida, e parece revelar preferência por José Serra como adversário tucano, ao dizer que o PSDB terá mais trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma contradição com o que ele mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma como candidata em 2010. Uma coisa é certa. “Desencarnado” e em plena forma, Lula será um “grande eleitor” em 2014.
Leiam toda entrevesta: http://www.institutolula.org/leia-a-integra-da-entrevista-de-lula-ao-correio-braziliense/#.UknNzoZJOfU